quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O conceito de felicidade


O conceito de Felicidade
(Ética a Nicômaco Cap.6 e 7 - de Aristóteles (384-22 a.C.)

6.
Mas como entendemos o bem? Ele não é certamente semelhante às coisas que somente por acaso têm o mesmo nome. São os bens uma coisa só, então, por serem derivados de um único bem, ou por contribuírem todos para um único bem, ou eles são uma única coisa apenas por analogia? Certamente, da mesma forma que a visão é boa no corpo, a razão é boa na alma, e identicamente em outros casos.

Mas talvez seja melhor deixar de lado estes tópicos por enquanto, pois um exame detalhado dos mesmos seria mais apropriado em outro ramo da filosofia. Acontece o mesmo em relação à forma do bem; ainda que haja um bem único que seja um predicado universal dos bens, ou capaz de existir separada e independentemente, tal bem não poderia obviamente ser praticado ou atingido pelo homem, e agora estamos procurando algo atingível. Talvez alguém possa pensar que vale a pena ter conhecimento deste bem, com vistas aos bens atingíveis e praticáveis; com efeito, usando-o como uma espécie de protótipo, conheceremos melhor os bens que são bons para nós e, conhecendo-os, poderemos atingi-los. Este argumento tem alguma plausibilidade, mas parece colidir com o método científico; todas as ciências, com efeito, embora visem a algum bem e procurem suprir-lhe as deficiências, deixam de lado o conhecimento da forma do bem. Mais ainda: não é provável que todos os praticantes das diversas artes desconheçam e nem sequer tentem obter uma ajuda tão preciosa. Também é difícil perceber como um tecelão ou um carpinteiro seria beneficiado em relação ao seu próprio ofício com o conhecimento deste "bem em si", ou como uma pessoa que vislumbrasse a própria forma poderia vir a ser um médico ou general melhor por isto. Com efeito, não parece que um médico estude a "saúde em si", e sim a saúde do homem, ou talvez até a saúde de um determinado homem; ele está curando indivíduos. Mas já falamos bastante sobre estes assuntos.

7.
Voltemos agora ao bem que estamos procurando, e vejamos qual a sua natureza. Em uma atividade ou arte ele tem uma aparência, e em outros casos outra. Ele é di­ferente em medicina, em estratégia, e o mesmo acontece nas artes restantes. Que é então o bem em cada uma delas? Será ele a causa de tudo que se faz? Na medicina ele é a saúde, na estratégia é a vitória, na arquitetura é a casa, e assim por diante em qualquer outra esfera de atividade, ou seja, o fim visado em cada ação e propósito, pois é por causa dele que os homens fazem tudo mais. Se há portanto um fim visado em tudo que fazemos, este fim é o bem atingível pela atividade, e se há mais de um, estes são os bens atingíveis pela atividade. Assim a argumentação chegou ao mesmo ponto por um caminho diferente, mas devemos tentar a demonstração de maneira mais clara.
Já que há evidentemente mais de uma finalidade, e escolhemos algumas delas (por exemplo, a riqueza, flautas ou instrumentos musicais em geral) por causa de1 algo mais, obviamente nem todas elas são finais; mas o bem supremo é evidente­mente final. Portanto, se há somente um bem final, este será o que estamos procurando, e se há mais de um, o mais final dos bens será o que estamos procurando. Chamamos aquilo que é mais digno de ser perseguido em si mais final que aquilo que é digno de ser perseguido por causa de outra coisa, e aquilo que nunca é desejável por causa de outra coisa chamamos de mais final que as coisas desejáveis tanto em si quanto por causa de outra coisa, e portanto chamamos absolutamente final aquilo que é sempre desejável em si, e nunca por causa de algo mais. Parece que a felicidade, mais que qualquer outro bem, é tida como este bem supremo, pois a escolhemos sempre por si mesma, e nunca por causa de algo mais; mas as honrarias, o prazer, a inteligência e todas as outras formas de excelência, embora as escolhamos por si mesmas (escolhê-las-íamos ainda que nada resultasse delas), escolhemo-las por causa da felicidade, pensando que através delas seremos felizes. Ao contrário, ninguém escolhe a felicidade por causa das várias formas de excelên­cia, nem, de um modo geral, por qualquer outra coisa além dela mesma.

(MARCONDES, Danilo. Textos básicos de ética. Rio Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. p.40-42)

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