A morte de Sócrates
De acordo com Platão, as
acusações contra Sócrates foram:
“Sócrates é réu por
empenhar-se com excesso de zelo, de maneira supérflua e indiscreta, na
investigação de coisas sob a terra e nos céus, fortalecendo o argumento mais
fraco e ensinando essas mesmas coisas a outros”1.
“Sócrates é réu porque
corrompe a juventude e descrê dos deuses do Estado, crendo em outras
divindades novas”2.
Levado a julgamento, foi
condenado à morte. Como e por que isso ocorreu?
Tudo começou quando
Sócrates tomou conhecimento de que o oráculo do templo de Delfos, dedicado ao
deus Apolo, havia proclamado que ele era o homem mais sábio de Atenas. Não se
considerando como tal, mas, ao mesmo tempo, não podendo duvidar da palavra do
deus, decidiu investigar o significado de tal revelação.
Procurou, então, aqueles
cidadãos mais ilustres de Atenas e que eram tidos como os mais sábios da
cidade. Eles pertenciam a três categorias sociais: os políticos, os poetas
(autores de tragédias, como Aristófanes, e de ditirambos – cantos religiosos em
homenagem ao deus Dioniso) e os artesãos.
Interrogando esses
cidadãos (por meio de seu método dialético), constatou que, na realidade, nada
sabiam dos assuntos em que eram tidos como sábios. Ao término da conversa com
cada uma dessas pessoas Sócrates concluía:
“Sou mais sábio do que
esse homem; nenhum de nós dois realmente conhece algo de admirável e bom,
entretanto ele julga que conhece algo quando não conhece, enquanto eu, como
nada conheço, não julgo tampouco que conheço. Portanto, é provável, de algum
modo, que nessa modesta medida seja eu mais sábio do que esse indivíduo – no
fato de não julgar que conheço o que não conheço”3.
Daí a famosa expressão
atribuída a Sócrates: “sei que nada sei”.
Acontece que Sócrates
praticava esses diálogos em praça pública, à vista de todos. Dentre os
presentes havia sempre muitos jovens, filhos de famílias ricas, que dispunham
de tempo livre (já que não precisavam trabalhar) e, por isso, podiam
acompanhá-lo nessas ocasiões. Eles se divertiam vendo Sócrates “desbancar” os
que se julgavam sábios e, mais tarde, punham-se a imitá-lo, interrogando outras
pessoas e descobrindo muitas que supunham saber o que de fato não sabiam. Essas
pessoas, que em geral eram gente importante e de prestígio na cidade,
sentindo-se constrangidas, tornavam-se furiosas não contra esses jovens, mas
contra aquele que consideravam responsável por tê-los ensinado tal
comportamento, e passavam a propagar que: “Sócrates é o mais pestilento dos
indivíduos e está corrompendo a juventude”.
Na verdade, quando
indagadas, tais pessoas não conseguiam provar tal acusação. Mas para esconder
seu constrangimento, lançavam mão daquelas acusações que sempre são usadas
contra todo “filósofo, ou seja, que [ensina] ‘as coisas no ar e as coisas sob a
terra’ e ‘não crê nos deuses’, e ‘torna mais forte o argumento mais fraco’”4. Esta é a origem das “inimizades, a um tempo implacáveis e
aflitivas”, do ódio, das “calúnias” e das acusações contra Sócrates5 e que acabaram por levá-lo à morte.
No fundo, Sócrates foi
condenado porque, na democracia ateniense, os assuntos mais importantes da vida
da cidade eram decididos em assembléias (Ekklesía) nas quais cada cidadão
podia expressar livremente sua opinião em favor ou contra uma
determinada posição. Era, pois, um regime político sustentado pela crença no
valor das opiniões. Ora, o que Sócrates fazia com sua dialética era justamente
pôr em cheque as opiniões, mostrando que, muitas vezes, elas refletiam um
conhecimento falso sobre
o assunto em questão. Assim, para as pessoas
importantes da cidade que costumavam discursar nessas assembléias, a “má”
influência de Sócrates, sobretudo sobre os jovens, representava uma ameaça ao
sistema democrático do qual se beneficiavam. Eis aí a natureza política da
condenação de Sócrates.
1 PlATÃO. Apologia de Sócrates. Diálogos
socráticos III. Tradução Edson Bini.
São Paulo/Bauru: Edipro, 2008. p. 139 [19 b-c].
2 Ibidem. p. 146 [24 c].
3 Ibidem. p. 142-143 [21 d].
4 Ibidem. p. 145 [23 d].
5 Ibidem. p. 144 [ 23 a].
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