quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Tales de Mileto: o distraído



Tales de Mileto: o distraído

O preconceito e a hostilidade em relação à Filosofia não é algo novo, recente, mas, ao contrário, remontam às origens da Filosofia na Grécia Antiga.
Talvez o registro mais antigo desse preconceito seja aquele de que foi vítima Tales de Mileto, que viveu no século VII a.C. e que é considerado o primeiro filósofo da história. A respeito dele contava-se a seguinte anedota, bastante difundida na Grécia Antiga e recuperada por Platão em sua obra Teeteto1. Tales era tão interessado no estudo dos astros que costumava caminhar olhando para o céu. Certo dia, absorto em seus pensamentos e raciocínios, acabou tropeçando e caindo em um poço, sendo motivo de riso e caçoada para uma escrava que ali se encontrava. Espalhou-se, então, o boato de que Tales se preocupava mais com as coisas do céu, esquecendo-se das que estavam debaixo de seus pés. “Essa pilhéria”, adverte Platão, “se aplica a todos os que vivem para a Filosofia” (idem). Essa imagem de um homem distraído e trapalhão, porém, não parece condizer com a verdade sobre Tales, que, ao que tudo indica, era uma pessoa bem esperta, viva e inteligente. É o que se conclui, por exemplo, de uma outra anedota contada sobre ele e registrada por Aristóteles em sua obra A política e atribuída a Tales por causa de sua sabedoria:
 “Como o censuravam pela pobreza e zombavam de sua inútil filosofia, o conhecimento dos astros permitiu-lhe prever que haveria abundância de olivas. Tendo juntado todo o dinheiro que podia, ele alugou, antes do fim do inverno, todas as prensas de óleo de Mileto e de Quios. Conseguiu-as a bom preço, porque ninguém oferecera melhor e ele dera algum adiantamento. Feita a colheita, muitas pessoas apareceram ao mesmo tempo para conseguir as prensas e ele as alugou pelo preço que quis. Tendo ganhado muito dinheiro, mostrou a seus amigos que para os filósofos era muito fácil enriquecer, mas que eles não se importavam com isso. Foi assim que mostrou sua sabedoria.”2
Na verdade, Tales deve ter gozado de grande prestígio em sua época. Tanto que passou para a posteridade como um dos sete sábios da Grécia3: na política, empenhou-se em organizar as cidades gregas da Jônia para enfrentar a ameaça dos persas; como engenheiro, quis desviar o curso de alguns rios para fins de navegação e irrigação; como pesquisador, investigou as causas das inundações do rio Nilo, rompendo com as explicações míticas que se davam para elas; como astrônomo, previu um eclipse solar e descobriu a constelação denominada Ursa Menor; como matemático e geômetra, teria descoberto um método para medir a altura  e uma pirâmide do Egito, do qual teria derivado o famoso “teorema de Tales”.
Além disso, não podemos esquecer que Tales foi, segundo Aristóteles (Pré-Socráticos, 1985, p. 7), o primeiro a dar uma resposta racional, isto é, usando de demonstração lógica e sem recorrer aos mitos, para a pergunta que mais incomodava os primeiros filósofos (os chamados pré-socráticos ou filósofos físicos): qual era o elemento primordial que dava origem a todas as coisas? Para Tales esse elemento era a água, por ela estar presente nos alimentos necessários à vida, pelo fato de as coisas vivas serem úmidas, enquanto as mortas ressecam e porque a terra repousa sobre as águas. Daí sua conclusão de que ela deve ter sido o elemento primordial.
Vemos, portanto, que Tales, ao contrário do que sugere a primeira anedota, não tinha nada de lunático, distraído e desligado dos problemas concretos. Muito pelo contrário, pôs toda a sua inteligência, curiosidade e criatividade a serviço da busca de soluções para eles, sobretudo aqueles mais importantes e urgentes em sua época. Eis por que a tal anedota revela, de fato, um preconceito, isto é, um conceito precipitado e desprovido de fundamentação.


Texto elaborado especialmente para este Caderno


1 PlATÃO. Diálogos. Teeteto/Crátilo. Tradução Carlos Alberto Nunes. Belém: Editora Universitária UFPA, 2001. p. 83 [174a].
2 ARISTÓTElES. A política. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 30.
3 De fato, atribuem-se a ele inúmeros feitos importantes, como revela a professora e filósofa Marilena Chaui (2003, p. 55).



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